domingo, 19 de novembro de 2006

Caça Furtiva

Era um dia como tantos outros. Faltamos ás aulas como sempre para fazer o mesmo que tínhamos feito noutras alturas e que fariamos por ventura durante tempos vindouros.

O dia de inactividade total que, pensem o que quiserem, é por si só bastante complexo e desgastante tanto mentalmente como.. mentalmente.. acabou como os outros. Ou seja no café do outro lado da rua.

Este ocupa um local estratégico. A esquina onde convergem 2 via principais do bairro dos estudantes. Alem do mais, com as suas amplas vidraças e esplanada airosa, este estabelecimento era o local ideal para actividades tais como as popularmente denominadas de: micanço, controle, engate, etc.

Tais características e a comunhão com o facto de vivermos na altura num apartamento mesmo em frente, tornaram o café-snack bar em questão na nossa sala de estar. De facto, considerávamos este comércio como um anexo nosso apenas separado por uma estrada de paralelos.

A noite ia normal, eu, psico, javali e ts devíamos ter arruinado com a esperança de uma comum garrafa de licor beirão em sobreviver a mais uma noite académica quando resolvemos ir para casa. Eu porque tinha uma liga de FM interessante, o Psico porque tinha aPS2 pronta a centrifugar no seu interior o dvd com as impressões PES, o javali porque, obviamente, era hora do monólogo diário com a sua cara-metade e, finalmente, o ts que tinha, como sempre, alguns exemplares pirateados de fitas, hoje digitais, hollywoodescas.

Este é o ponto da narrativa em que se começam de, facto, a escrever as peripécias e acções incomuns que justificam o próprio e incontrolável reflexo delas nos lembrar-mos. Tudo começou com uma suposta virtude a que demos o nome de meticulosidade. Ts, um rapaz atencioso para com as suas coisas pois estas lhe custaram a ganhar tinha a admirável paciência de todos os dias deslocar a sua viatura alguns metros ou ate centímetros por todo e qualquer motivo.

Ou era porque os bêbados que saiam do tasco passavam muito perto do espelho, porque conhecia a dona do carro que atrás do dele estava estacionado e, desconfiando com toda a razão das habilidades irrefutáveis para a demolição de automóveis das mulheres locais, sabia não ser capaz de descansar. Mas também por ter visto um cão a urinar ali perto e não querer ter de limpar as jantes, talvez porque o gato que afiava as unhas no BMW poderia sentir-se tentado a testar outras superfícies de marcas concorrentes. Também tinha em consideração as probabilidades aritméticas das gaivotas por ele tão estimadas acertar com seus dejectos corrosivos na pintura metalizada e, não poucas foram as ocasiões, supôs que o grau de inclinação do eixo terrestre naquele determinado mes do ano fosse provocar temperaturas e radiações capazes de estragar os plásticos interiores.

Assim, naquela calma e simples noite, quando três estudantes resolveram por em pratica hábitos invulgarmente gregários (note-se que se fossem vulgares não lhes chamaria gregários mas sim hábitos gregórios..) o ts convenceu-se por qualquer uma ou ate outra razão acima citada que o automóvel teria de ser movido para outro lado da mesma rua.

-Vou dar a volta ao carro e estacionar mais a frente! disse ele sem que nos preocupassemos por demais com tal costume usual.

O tempo fluía rapidamente. Como diz o povo, o bom sabe a pouco. Com um pouco de vícios digitais e confraternização inter quartos, muito rapidamente nos esquecemos do ts. A noite ja tinha aproveitado a nossa distracção para avançar.

-E pá! o ts?? Perguntou um de nós!
-Sei lá, deve ter ido ver as rolas..!
-Tanto tempo para dar a volta ao carro.. se calhar adormeceu lá dentro!* (*material para outra historia.)

Esperamos despreocupadamente. De facto, ate nos esquecemos da sua ausência. Dele só nos lembramos quando ouvimos uma chave a rodar o mecanismo da porta da entrada. Desde logo, e por falta de sons esquesitos, soube que algo estava errado. Passou silencioso e cabisbaixo e isso todos nos sentimos. Fomos ter com TS ao quarto e perguntamos que se passava com ele.

- Tou fudido! Disse com lágrimas prontas a jorrar dos olhos!
- Que fizeste pá??!!
- Fui dar a volta ao carro.. Respondeu querendo esconder algo!
- Sim mas.. porque estas assim?
- E que.. peguei no carro e .. resolvi ir dar uma volta...
- Esta bem. Isso ja nos sabemos. Dissemos impacientes..
- Fui andar pela cidade e, de súbito, quando dei por ela estava a caminho da serra.. A estrada estava escura, encontrava me sozinho naquela estrada sinuosa e não resisti. Acelerei pela encosta! As curvas sucediam-se, sentia o carro a vibrar, as suspensões no limite. A adrenalina subia em mim e cada segundo que passava aumentavam os limites da anbição..

- Ta bem!!! Foste dar gás para o monte a esta hora e completamente bêbado! Ja vi que capotaste! Desfizeste o carro! Que aconteceu perguntamos aflitos!

- Nada disso! Continuou.
- Lembro me apenas de estar a deslizar na perfeição por uma curva comprida para a minha esquerda... E foi aí..
- Foí aí o que?? Ripostamos furiosos!
- Foí aí que ouvi um estrondo e vi um olho gigantesco a esborrachar-se no para brisas.

Neste momento tivemos a certeza que o idiota tinha acabado de lançar a vida ás urtigas.

-Continua! O que fizeste! Mataste uma pessoa!!??
-Nada disso! Vocês estão malucos! Lançou levemente ofendido.
-Entã0 caralho!!?
-E pá.. quando senti o enbate entrei em pião e so parei uns valentes metros mais a frente! Avancei no escuro com o coração nas mãos e avistei o que eu tinha acabado de deitar ao chão!
-O que era??
- Um cavalo pá.. atropelei um cavalo.. Desfiz a frente toda do carro!

Neste momento, seria do alívio ou da cara que TS fazia naquele momento uma explosão de risos invadiu o quarto. Contracções de abdominais violentaram o nosso corpo e, secreções lacrimosas guardadas há anos eram expelidas em cascata. As excentricidades dos nossos corpos apenas contrastavam com a do TS que inconsolável afogava as mágoas entre as mãos culpadas.

Gostaria de dizer que no decorrer desta história nenhum animal foi aleijado mas, realmente, um belo equídeo selvagem que populam algumas serras Portuguesas foi de facto brutalmente atropelado e, provavelmente, deve ter ficado a apodrecer numa valeta empestando a atmosfera circundante.

Para finalizar, imaginem o TS a explicar ao seu pai em frente do carro amolgado que, o motivo daqueles estragos, tinham sido causados por um cavalo que não respeitou a velocidade mínima obrigatória. Obviamente, TS foi repreendido veemente por tentar enganar seu progenitor com tão patética desculpa.

-"Cavalos selvagens a solta na cidade! Onde é que já se viu isso" Atirou ele ao TS que cabisbaixo conformou-se com o destino!

Autir: GMDC

2 comentários:

Artista disse...

Bem esta e sem duvida uma entre muitas historias que ficara para sempre na memoria...hugs Nelly.

Nelly disse...

Ai jesus