sexta-feira, 17 de novembro de 2006

Crime económico

As recentes notícias amplamente divulgadas nos media trouxeram-me á memória uma história caricata que demonstra o que o modesto povo é capaz de fazer durante tempos de vacas magras.

Não que no caso específico a vaca em causa fosse assim tão delgada, a falta de qualidade e quantidade de matéria-prima minimamente aceitável para uma obra satisfatória, teve de ser substituída na altura por um exemplar autóctone. Por isso quero dizer que, fazendo jus de nacionalismo evidente, a nossa característica do desenrasque (bem patente na seguinte narrativa) que é tão Portuguesa como o analfabetismo e corrupção seria francamente bem vista actualmente pelo nosso governo bem que, aplicada de forma sensivelmente diferente em áreas menos humilhantes.

Já foram tempos, eu sou do tempo, ainda me lembro de viver numa altura em que a noite académica justificava um investimento de 700 escudos por 8 bebidas brancas. Eu experiênciei o mito hoje em dia inacreditável de sair de casa sóbrio com 500$ (2.5€ para realçar o choque) e voltar completamente embriagado com o estômago cheio de álcool mas também de bifanas, cachorros e muitas outras coisas que são irrelevantes para o fio condutor da história.

Numa destas famosas e já longínquas noites da nossa inocência em que, muitos e muitas justificavam ainda este adjectivo ao sair de casa mas já apenas traziam uma vontade de preservar tal imagem no fim da mesma, encontrava me eu e o Laranjinha em fase de decadência à porta de saída de um estabelecimento de diversão nocturna em saldos.

Obviamente um cenário caótico reinava naquela rua. A noite pesada com nuvens baixas levava a bruma a serpentear pelas ruelas antigas dando às pessoas um ar mais misterioso do que o que estas mereciam. Enquanto decidíamos se devíamos ou não arriscar a sujeitarmo-nos aos caprichos de São Pedro, passaram em obvias dificuldades, 2 meninas pela estrada. Uma segurando-se à outra enquanto a 2ª não largava a 1ª. Só de forma inconsciente se alcança um equilíbrio entre duas pessoas que tem o cérebro envolto em álcool. Comparem se quiserem esta situação aos Cartoons do Coyote onde este mesmo correndo no vazio e deixando para trás a falésia só cai quando de facto percebe que não tem a rocha por baixo das patas. Ou então imaginem que a perturbação, mental destas duas raparigas corresponde a um transe sonâmbulístico e que, se esta adulteração da consciência dita normal se quebrasse, também o mesmo aconteceria com a harmonia entre as 2 bêbadas e com o equilibrismo do sonâmbulo num qualquer cabo telefónico suspenso sobre uma estrada movimentada.

Todo o parágrafo anterior poderia ser resumido numa simples linha de texto. No fundo, procurei exemplificar metaforicamente que existem certos movimentos e acções que, com a ajuda de substancias de má reputação, são realizadas automaticamente e de forma natural. Estranho realizar que tais actos que parecem na altura tão lógicos e inconsequentes possam ter um impacto tão grande no dia a seguir e, por ventura, em toda a vida futura.

Assim, avançando na história, porque muitos dos leitores tem de facto mais do que fazer, eu e o Laranjinha não duvidamos por um segundo que o que tínhamos a fazer quando nos deparamos com duas donzelas em dificuldades para se deslocar. Obviamente, acorremos a ampará-las ajudando-as a atingirem o objectivo de voltar a casa. Não preciso no entanto de referir que no interior das nossas cabeças, por um motivo ou pelo outro, levá-las para casa era de facto o nosso propósito primordial.

Estava eu a agarrar o par que me calhou para que este não se estatela-se nos paralelepípedos antigos quando me lembrei de lhe ver a cara. Queria ver qual era a pessoa que estava a ajudar, reconhecer no profundo de seus olhos a faísca do agradecimento pela minha prestabilidade. No fundo, queria entrar em contacto com um sentimento simples e genuíno como o é o agradecimento. Pode parecer estranho mas raras são as vezes em que nos deparamos com tal sensação.

Ergui-lhe a cabeça, afastei as suas longas madeixas negras que obstruíam a clareza leitosa da pele da sua cara. Ao faze-lo os meus dedos tocaram levemente na sua face. Uma impressão de seda e texturas refinadas despertaram os meus sentidos e, mais especialmente, a minha curiosidade. Finalmente tinha chegado a hora de a minha retina estudar as linhas faciais da sortuda donzela. Era o momento de perceber inatamente qual a sua reacção, intenções, medos e sentimentos. Coisa que no fundo so o olhar por si só pode perceber e, mais do que isso, ter a certeza por mais que as palavras digam o contrário. Como disse um conhecido meu de longa data, o Tonio do monte como lhe chamamos carinhosamente: "The eyes chico, they never lie..."


Por um instante, devido a ansiedade, o tempo parece que parou, as expectativas era, bastantes e um vulgar momento milhões de vezes repetido encantava uma alma numa noite tempestuosa de Inverno. Levantei-lhe então a face e abri os olhos. A minha reacção inicial foi querer fugir... De facto, os meus reflexos até ai ainda vivazes fizeram que ela se soltasse de mim perdendo todo o apoio que tinha permitido que ela se mantivesse de pé.

Uma cara magra de ossos salientes, uns esbranquiçados lábios finíssimos, para raios na dentadura e um corpo digno de pinóquio. Ai está meus amigos a melhor cura para a ressaca pois de imediato fiquei finíssimo como um cantâro de água fresca. Estatelada no chão incapaz de reagir, voltei a minha atenção para o Laranjinha. Vamos embora pensei em dizer-lhe. Porem, as minhas palavras ficaram amarradas a garganta perante o espectáculo horrífico que presenciei.

O Laranjinha, rapaz de sucesso no que ao sexo feminino toca, corpo ainda jovial, atleta bem preparado, uma bonança para qualquer mulher quanto mais para o Adamastor que ele agarrava. Em poucos segundos que, para os menos adeptos da leitura devem ter sido semelhantes a várias horas, o Laranjinha tinha a mão direita a percorrer as muitas curvas do animal e a esquerda a testar a firmeza da fruta frontal da mesma.

Descrevendo a ursa em questão (esta sim ursa maior), os seus traços característicos eram e ainda devem ser:

- A pele gordurosa
- O cabelo ralo
- O peso em excesso
- Os óculos fundo de garrafa.

Obviamente que depois de recuperar do trauma inicial tentei salvar das garras deste predador o meu amigo Laranjinha.


-Laranjinha, vamos embora esta a chover, Disse lhe eu.
-Vamos embora? Estas mas é maluco! Hoje é missão BCNL! Ripostou firmemente.

Não desisti a primeira como se espera de um amigo digno de tal!

-E pá, já viste a cara delas, estas maluco? Proferi sem discrição.
-Quero lá saber, Quando não há pão até as migalhas vão!!! Disse ele. De facto o ministro da economia seria com toda a certeza a unica pessoa no mundo orgulhosa deste cidadão.

Afastei-me transtornado enquanto ouvi meu compincha dizer ao entrar numa obscura galeria comercial que: "Vou aos saldos". Aí está mais uma óptima decisão económica que muitos lares nacionais deveriam seguir.

Divaguei pelas ruelas gastas e nuas, lembro me de pensar no outro mostrengo deitado numa valeta á chuva. Se a mãe dela a visse com certeza que teria espancado o preto ou o cigano que a tinha deixado naquele estado. Ao chegar a residência estudantil encontrei os colegas de curso cá fora na conversa. Com certeza esperavam que o sol levantasse para irem dormir. A culpa não era dele e, na verdade, nós é que chagamos cedo de mais e, seria falta de respeito não esperar por tão importante astro. Pelo menos devemos respeitar o único ser que nos atura e observa dia após dia. Nem Deus com certeza tem paciência para tanto disparate. Se assim não fosse, não seriam as coisas são mas seriam no tal como não o são presentemente.

GMDC, estas sozinho perguntou-me uma amiga?

-Estou. Cheguei agora do bar.
-E o Laranjinha? Perguntou ela sempre curiosa.
-E pá foi à vida.. Respondi

-Ai é? Mas eu vi vos agarrados aquelas 2 galderias. Insistiu.
-Pois, não sei. Esquivei.

A minha estratégia de mentira descarada ruiu quando o próprio Laranjinha apareceu por trás de mim.

-GMDC!! Tens preservativos!!? Disse ele sem dó nem piedade.
-Hmm.. é pá.. Aqui não..
-Fodasse! Espera aí! Lançou ao hominídeo primitivo que veio com ele.

Enquanto ele se mandava pelas escadas em pé de corrida prometi a mim mesmo nunca mais beber e pouco tempo depois fui dormir preocupando me já com a ressaca do dia seguinte.

Acordei sobressaltado. Um estrondo violento semelhante a uma bola de bowling durante um formoso Strike fez a porta abrir-se violentamente. De pele branca, tal qual fantasma de contos infantis, cabelo digno de um Cosmo Kramer ou Marge Simpson e olhos raiados de sangue entrou furiosamente o Laranjinha.

-Vai para o c*****o! Mandou ele.
-E pá que foi? Respondi assustado.
-Es um amigo e peras! Vê se que não posso contar contigo!

Cortando o resto do dialogo para não correr o risco de o Blog ser banido, resumirei agora a situação privando a todos que também posso ser conciso na minha narrativa.

A verdade é que Laranjinha estava sentido para com ele mesmo. Tentava justificar através de um bode expiatório os seus actos da noite anterior. Segundo o que ele me disse, mal chegou à caverna da besta copularam 2 vezes antes de adormecer. De manhã, com grande ressaca e enjoos derivados do processamento do álcool pelo pobre fígado, Laranjinha acordou confuso. Não sabia onde estava, não se lembrava de que tinha feito. Ficou deitado uns minutos tentando perceber que divisão estranha era aquela e a quem pertencia aquele corpo quente. Como no escuro as mãos vêem melhor que os olhos, tentou tactear a entidade que ao lado dele permanecia. Sentiu a pele gordurosa e ainda suada. Reconheceu as características típicas de uma pessoa volumosa e, de repente os seus sentidos despertaram da letargia em que se encontravam. O olfacto voltou de repente e seus pulmões foram invadidos por cheiros nauseabundos. Uma mistura horrenda de álcool, suor, células mortas e secreções púbicas violentaram o seu ainda débil organismo. Levantou-se então de rompante e correu apressado à procura da casa de banho onde vomitou todos os seus remorsos. Titubeando tentou encontrar o quarto de onde se tinha escapulido mas entreviu por uma nesga o quarto das colocatárias do aborto com que ele conviveu intimamente na noite anterior. Tentado se sentiu a entrar. Alargou a frincha, pôs um pé invadindo o proibitivo recinto, avançou mais um pouco e atirou se para cima da presa sem saber muito bem o que estava a fazer. Foi, como é lógico, recebido com gritos e estaladas felizmente para ele pouco precisas. Saiu então desta outra peça e entrou finalmente no quarto inicial. Depois de se deitar por uns instantes na cama sentiu o monstro gelatinoso agarrado e a ronronar-lhe ao ouvido: "vamos ficar deitados aqui a fazer amor todo o dia". Céptico Laranjinha levantou-se e entre abriu os Estores. Quanto conseguiu vislumbrar as feições da coisa em causa sentiu as pernas fraquejar e as lágrimas vieram lhe aos olhos. Tinha encontrado o fundo do poço. O local onde a estima própria nunca tinha entrado.

Voltou em seguida o Laranjinha vociferando pelas ruas num estado lastimável até entrar no quarto #101 que, mesmo não tendo grandes luxos, tinha sempre uma pessoa a quem deitar as culpas. O que este #to não tinha de facto eram assombrações e, isso, já não era mau.

Autor: GMDC

2 comentários:

mcbras disse...

Olá,
maravilhosa esta fábula, dei aqui umas valentes risadas!!

Unknown disse...

HIhihi....
e verdade, verdadinha.